No segundo dia do II Seminário sobre Reorganização da Classe Trabalhadora (29), os debates tiveram início com a mesa “O papel do Sindicato no combate à crise climática”, com as participações de Gustavo Seferian, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jéssica Pereira Garcia, do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) e Araê Lombardi, do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Coordenaram a mesa Josevaldo Cunha, 2º vice-presidente da Regional Nordeste 2 do ANDES-SN, e Caroline Lima, 1ª secretária do Sindicato Nacional.
O debate abordou a exploração predatória da natureza e seus bens pelo capital, as saídas falaciosas do capitalismo para a crise climática, a necessidade de pensar outras formas de relação com o meio ambiente e seu uso e, ainda, o papel das universidades tanto na pesquisa quanto na extensão nessa temática, no diálogo com a população e nas relações com os movimentos sociais.
Jéssica Garcia trouxe a experiência do MST e do plano nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, lançado em 2020, como um chamado à sociedade brasileira e mundial para a urgência de transformar a defesa do meio ambiente em luta popular. A engenheira florestal ressaltou que é importante compreender o que nos levou a esse cenário de crise climática, próximo ao ponto de não retorno, para poder pensar em saídas efetivas.
“A crise ambiental não é uma revolta da natureza, não é um castigo divino, ela é consequência de um modelo de exploração ambiental e a gente precisa pontuar sempre quem é o culpado. Não é a forma como eu, Jéssica, lido com o meio ambiente. lida com a natureza. Essa crise, essa forma de exploração da natureza, tem um culpado maior, que é o modelo do agronegócio, que está no campo e explorando todas as formas dos bens comuns da natureza e que é uma representação do capitalismo agrário”, explicou.
A representante do MST ressaltou que a crise climática afeta a todos, mas de forma diferente. E que é preciso estarmos atentos e denunciar as alternativas falaciosas apresentadas pelo capitalismo como formas de enfrentar a crise climática, como a venda de créditos de carbono. “Estamos muito próximos do ponto de não retorno, precisamos de ação coletiva sabendo denominar os culpados e quais são as ações para reverter isso”, acrescentou.
Jéssica destacou a importância da Universidade nesse processo, especialmente em relação à extensão universitária, que ela avalia ser pouco valorizada pela comunidade acadêmica. “Enquanto universidade, a gente tem uma ferramenta poderosa de atuação, seja de ações e projetos de pesquisa e de extensão, que eu acho que cumprem um papel fundamental de dialogar com a sociedade - para dialogar com a sociedade e ter um olhar atento da Academia frente ao que está acontecendo e também uma parceria para contribuir e fortalecer a agricultura camponesa com projetos de extensão”, afirmou, acrescentando ser a extensão “uma ferramenta de diálogo com setores da sociedade, que possibilita ações concretas”.
Araê Lombardi reforçou que não é possível tratar a questão climática separada da história do capital e das crises do capitalismo. Ele contou que o MAM existe há 13 anos e nesse período a entidade vem se desafiando a se organizar e pensar uma outra possibilidade de economia da natureza e como pensar a respeito disso, em se tratando de tempos de antropoceno.
Araê acrescentou que o movimento não se coloca contra a mineração, mas contra o atual modelo de mineração. “Nós queremos discutir as afetações que esse modelo de extração mineral coloca para a sociedade no Brasil e no mundo”, afirmou. “Queremos discutir a capacidade da mineração de destruir os territórios e seguir impune”, acrescentou, exemplificando com o caso da Braskem, em Maceió (AL).
Conforme o representante do MAM, historicamente, o Brasil não se desafiou a debater a questão mineral. “Todo o arcabouço legal e constitucional criado é para garantir a total exploração. E qual a nossa capacidade de dizer não. Qual a possibilidade de existir no brasil territórios livres de exploração?”, questionou.
O geólogo reforçou a importância de atuar lado a lado com os trabalhadores e as trabalhadoras da mineração para poder debater e atuar por um outro modelo de exploração mineral. Ele colocou como desafio do MAM, junto com o movimento sindical, a construção da Cúpula dos Povos.
“A gente pretende levar 10 mil pessoas para Belém, em paralelo à COP 30, de 12 a 16 de novembro. Encaramos a Cúpula dos Povos como um processo que essa emergência climática nos coloca nesse próximo período. Então, a gente não está tratando a Cúpula como um evento só. Desde 2023, a gente vem organizando a Cúpula dos Povos, temos hoje seis eixos de convergência. Estamos tratando de 600 organizações que assinam a nossa carta de construir a Cúpula dos Povos. A gente está se desafiando, até a Cúpula, conseguir debater isso [seis eixos] e o pós-Cúpula, o que a gente vai fazer para conseguir continuar se organizando e lutando contra esse sistema”, disse.
Gustavo Seferian observou que vivemos sob uma crise de natureza civilizatória, que não é meramente econômica, do modo de produção capitalista, mas uma crise que tem múltiplas dimensões, múltiplas facetas. “Essa crise de civilização é também econômica, social, política, institucional e moral. A produção social tem contornos evidentes climáticos e ecológicos”, pontuou.
“Essa crise, que é multifatorial e multidimensional, traz repercussões a todas as formas de organização que no seio da sociedade capitalista pudemos construir, tanto que o capital construiu para sua afirmação e reprodução, como também o conjunto da classe trabalhadora impulsionou para a promoção dos seus interesses. É inegável que no seio de uma sociedade, numa crise dessa dimensão, também as próprias ferramentas da classe trabalhadora estejam marcadas por um tom de crise”, acrescentou, lembrando os debates do dia anterior, que abordaram as crises dos movimentos sindicais e partidários.
Seferian lembrou, ainda, que o tema ambiental não é novo e, ainda que aqueles que formulam sobre a questão passem a tratar de forma mais evidente no último século, não podemos dissociar que a questão social irrompe na modernidade capitalista com uma tonalidade ambiental nítida. Ele citou Marx e Engels e seus escritos para mostrar que o tema ambiental aparece nos debates da realidade industrial britânica, por exemplo.
“Não dá para a gente dissociar sequer o que é a regração institucional, rítmica e política nas conquistas do conjunto da classe trabalhadora, nas suas primeiras e mais pulsantes expressões ligadas ao movimento sindical, ainda não tão cristalizadas institucionalmente enquanto sindicatos, mas já a partir de uma dimensão sindical desse caráter necessariamente ambiental”, afirmou. “O movimento ambiental, ainda que não tenha sido nominado desse modo, ele é inerente ao processo do movimento da classe”, acrescentou.
Diante dos debates postos, Gustavo salientou a importância de incorporar a questão ambiental no conjunto de pautas e demandas do ANDES-SN. “Oxalá possa um dia, no âmbito do ANDES-SN, a gente ter o enraizamento e a assunção, na nossa cultura política, dos temas socioambientais”, conclamou.
Combate às opressões
No período da tarde, o papel do sindicato no combate às opressões, como essas violências atravessam a classe trabalhadora e a necessidade de letramento sobre questões de gênero, raça e diversidade sexual foram debatidos na mesa “O papel do Sindicato no combate às opressões”, com as exposições de Letícia Carolina Nascimento, da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e diretora do ANDES-SN, e Maria de Santana Costa (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecções Femininas e Moda Íntima de Fortaleza).
Letícia iniciou provocando a necessidade de entender de qual classe trabalhadora se fala quando se propõe a debater esse segmento. “Quem nós estamos incluindo?”, questionou. “Muitas vezes essa é uma categoria trabalhada, por muitos pesquisadores e pesquisadoras, como uma categoria homogênea e, por vezes, abstrata. Como se dizer classe trabalhadora fosse suficiente para definir o conjunto de pessoas que estão dentro desse contingente e que nele se identificam”, afirmou.
A diretora do ANDES-SN abordou o conceito de interseccionalidade para explicar que é impossível pensar as opressões de classe, sem pensar as outras formas de opressão sobre as quais também se sustenta o capitalismo como o machismo, o racismo e a lgbti+fobia.
“Eu não posso pensar o racismo, o machismo e a lgbti+fobia distante de um sistema de classe porque esses sistemas de opressão estão aliançados. Não dá pra gente separar o racismo do capitalismo, porque o capitalismo cresce a partir de uma postura racista. O capitalismo só é esse regime de poder que nós compreendemos hoje por conta do machismo, por conta do racismo. O que une a classe trabalhadora não pode suprimir os diferentes modos como somos impactados pelas opressões”, reforçou.
Ela apresentou seu próprio exemplo: ser uma mulher, travesti, negra e contou como isso a atravessa em todos os espaços, tanto na universidade quanto no movimento sindical. “Mesmo sendo professora doutora de uma universidade eu ainda sou atingida por essas violências”, observou.
A docente alertou ainda ser necessário reforçar o letramento sobre questões de gênero, raça e diversidade sexual para que a categoria docente consiga fazer também o enfrentamento à extrema direita que avança na sociedade, alavancada por fake news que tem como fundo valores morais conservadores, lgbti+fóbicos. “Não podemos colocar isso num lugar secundário, pois é isso que está fazendo as pessoas votarem em candidatos de extrema direita. Por isso, é importante o debate sobre essas questões de gênero, raça e diversidade”, reforçou.
Letícia colocou ainda que um dos desafios para pensar as políticas de diversidade no âmbito sindical é ampliar os debates sobre essas questões para além do Grupo de Trabalho de Políticas de Classe, Étnico-raciais, Gênero e Diversidade Sexual. “Nós precisamos estar nas discussões do GTPE, do GTPFS, do GT Carreira e todos os outros GTs, porque todas essas questões também nos interessam, também dizem respeito ao conjunto de mulheres, de pessoas negras e de pessoas LGBTI+, que compõem a classe trabalhadora”, afirmou.
Maria Santana contou que a sua categoria, de trabalhadoras da confecção feminina e moda íntima, é majoritariamente composta por mulheres, mães de família - muitas mães solo. Em contrapartida, a maioria do patronato é composto por homens, que tratam as trabalhadoras como propriedade.
Segundo ela, as opressões e perseguições fazem parte do cotidiano da categoria e se acirram perto de datas comemorativas, quando os patrões querem ampliar a produção e obrigam as mulheres a jornadas exaustivas, com ameaças de demissão caso neguem o trabalho extra.
“Quando chegam essas datas comemorativas, as trabalhadoras são obrigadas, além das oito horas da jornada, a trabalhar até às 7 da noite, trabalhar aos sábados, para poder fazer uma produção para satisfazer o patrão. E se você não vai trabalhar, ele chega e diz o seguinte: se você não quer trabalhar, ali fora têm muitas que querem teu lugar. Isso eu escutei várias vezes”, relatou.
Santana contou ainda da dificuldade das mulheres mães em não ter com quem deixar os filhos ou quando precisam faltar porque suas crianças adoecem.
Muitas acabam perdendo o emprego ou tendo que deixar os filhos pequenos sob cuidados de familiares, pois o auxílio creche pago à categoria é de R$ 115 reais e muitas não conseguem vagas em creches públicas. As trabalhadoras, além de oprimidas, sofrem com a carência de políticas sociais eficientes.
“A cada dia que passa a nossa situação como mulher do setor de produção de peças femininas se agrava mais, principalmente quando você não consegue trabalhar além da jornada. A hora extra é permitida, mas não é obrigada. Só sou obrigada a trabalhar as 8 horas por dia, mas poucas conseguem dizer não, pois se sentem ameaçadas”, disse. Ela ressaltou que, infelizmente, muitas não conseguem enfrentar essas violências e acabam se sujeitando às situações impostas.
Propostas
Ao final, a coordenação do GT de Política e Formação Sindical (GTPFS) fez a leitura de sugestões de encaminhamentos, sistematizadas a partir dos dois dias de debates. As propostas serão apresentadas à próxima diretoria, que será empossada no 68º Conad, no início de julho, para que sejam debatidas nos espaços deliberativos do ANDES-SN e nas reuniões do GTPFS.
“O II Seminário sobre Reorganização da Classe Trabalhadora foi construído pelo ANDES-SN em articulação com movimentos sociais, como MST, MAM, e sindicatos de operários da indústria da construção civil e de trabalhadoras da confecção feminina, possibilitando o compartilhamento das análises e experiências sobre as formas de organização e luta. O seminário apontou a necessidade de enfrentar o fascismo e a extrema-direita, por um lado, e a conciliação de classes, por outro, a partir da construção de um projeto anticapitalista, que articule o movimento sindical, a luta ambiental e os movimentos contra as opressões que dispute corações e mentes do conjunto da classe trabalhadora”, avaliou Raquel Dias, 1ª vice-presidenta do ANDES-SN e da coordenação do GTPFS.