Com a carreira docente cada vez mais impactada pela precarização, pelas reformas educacionais e pela plataformização do trabalho, o ANDES-SN realizou, nos dias 5 e 6 de dezembro, o Seminário Nacional sobre Carreira Docente e o V Encontro da Carreira EBTT e das Carreiras do Ensino Básico das Iees, Imes e Ides. Os eventos ocorreram no auditório da Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Campinas (Adunicamp – Seção Sindical do ANDES-SN), em Campinas (SP), com o objetivo de contextualizar a luta por direitos, definir estratégias de enfrentamento e fortalecer o projeto de carreira única.

As atividades foram organizadas pelo Grupo de Trabalho de Carreira (GT Carreira), juntamente com o Setor das Instituições Federais de Ensino (Ifes), Estaduais, Municipais e Distrital de Ensino Superior (Iees, Imes e Ides), além do Grupo de Trabalho de Política Educacional (GTPE).
Piso Salarial e Carreira
A luta pelo Piso Salarial Nacional para o Magistério Público e pela carreira docente única foi tema central do Seminário Nacional sobre Carreira Docente, realizado na manhã de sexta-feira (5).
Antes do início dos trabalhos, foi realizado um minuto de silêncio em memória das docentes do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), Allane de Souza Pedrotti Matos, diretora e coordenadora pedagógica, e Layse Costa Pinheiro, psicóloga da instituição, vítimas de feminicídio cometido por um colega de trabalho que não aceitava ser chefiado por mulheres. O caso expôs, de forma brutal, as consequências do machismo estrutural. As falas reforçaram a urgência de mudanças para garantir a vida das mulheres. Ainda na sexta-feira (5), o ANDES-SN publicou uma nota de repúdio aos recentes feminicídios registrados no país.

Alexandre Galvão, docente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), destacou que, conforme o Caderno 2 do ANDES-SN, a carreira docente deve ser compreendida como instrumento de realização profissional e de garantia da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Ele recordou a importância do 15º Conad Extraordinário, realizado em 2024, que aprovou diretrizes gerais reafirmando uma carreira única para todas e todos os docentes, com ingresso no mesmo nível, independente da titulação, e progressão de 13 níveis, com interstícios de 18 ou 24 meses, o que possibilitaria à categoria chegar ao topo da carreira em 18 a 20 anos.
A proposta também reforça a valorização da titulação e do tempo de serviço, com uma avaliação que rejeita a lógica produtivista e prevê percentuais mínimos de incentivo à formação, como 10% para aperfeiçoamento, 25% para especialização, 50% para mestrado e 100% para doutorado.
Galvão destacou a adoção do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), Lei 11.738/08, como piso gerador para a carreira docente. Para ele, essa decisão política fortalece a luta conjunta da categoria docente, desde a educação básica ao ensino superior, garantindo que todos os docentes sejam valorizados da mesma forma, no início de suas carreiras. O docente ressaltou que o valor do Piso deve ser entendido como “no mínimo”.
“A carreira única para todos os docentes das IES, Cefet e Colégios de Aplicação é uma das aspirações históricas do movimento docente. Enquanto não se alcança a carreira única em todas as esferas, as propostas construídas pelos setores devem ser entendidas como parte de uma política de transição, a partir dos eixos e princípios do projeto do Sindicato Nacional”, disse.
Para o ex-diretor do ANDES-SN, a luta pelo Piso Nacional é também decisiva nas negociações por carreira e condições salariais, servindo como forte instrumento de pressão, sobretudo em um cenário em que muitos estados ainda não concederam reajuste ou recomposição inflacionária em 2025.

Jennifer Webb, docente da Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (EA-UFPA) homenageou as vítimas do feminicídio no Cefet-RJ. Em seguida, fez um resgate histórico do ANDES-SN, destacando a Unicamp como local simbólico da fundação e das primeiras articulações do sindicato. Ela reforçou que o Sindicato Nacional não é corporativista, mas um sindicato classista, cujo compromisso é com a classe trabalhadora e com a defesa da educação pública.
Webb confrontou o estereótipo do privilégio docente, destacando um cenário de intensa precarização e intensificação do trabalho, inclusive entre docentes com dedicação exclusiva. Ela explicou que a decisão de adotar o PSPN como piso gerador surgiu a partir de um diagnóstico profundo, sobretudo durante as negociações de greve em 2024.
“Hoje, temos um parâmetro de malha salarial plausível para este momento histórico, que nos permite sustentar uma defesa coerente em qualquer mesa de negociação. Com as diretrizes aprovadas, conseguimos avançar de forma fundamentada, porque adotamos um piso gerador baseado no piso nacional da educação básica”, ressaltou.
A ex-diretora do ANDES-SN destacou que a ausência de uma carreira estruturada prejudica a capacidade de resistência da categoria e que a carreira unificada fortalece a organização sindical e prepara as e os docentes para reagir aos ataques previstos na Reforma Administrativa, que tem como um de seus alvos centrais a desestruturação das carreiras públicas. “Chamar à responsabilidade, dar o próximo passo, com os colegas de outros estados, lutar lado a lado, unificar na luta”, disse.

Já Paulo Neves, diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), e Felipe Chadi, do Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho no Estado de São Paulo (Sintesp) contaram um pouco da experiência no estado. Neves explicou que o governo não paga o piso à categoria e utiliza o artifício do "abono complementar" para atingir o valor do piso, o que impede que a diferença salarial incida sobre outras vantagens da carreira. Neves lamentou que apenas 10 estados brasileiros e uma pequena parcela dos municípios cumpriram corretamente o PSPN em 2023.
Chadi, por sua vez, destacou que, nas escolas do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, a maioria das e dos docentes ainda é contratada como "horista", sem jornada de trabalho fixa, o que dificulta a dedicação exclusiva à docência e o cumprimento do piso. Ele destacou que a contratação temporária é um dos maiores problemas na carreira docente da instituição.
“O seminário tratou da unificação da luta pelo PSPN para as carreiras do magistério público nos níveis federal, estadual, distrital e municipal, conforme as deliberações recentes do ANDES-SN sobre carreira única. Os acúmulos do Seminário Nacional serão levados ao 44º Congresso, para fortalecer a luta da categoria em defesa da carreira única, em unidade com os sindicatos de docentes da educação básica de todo país”, disse André Martins, 2º vice-presidente da Regional Rio Grande do Sul e da coordenação do GT Carreira do ANDES-SN.

V Encontro da Carreira
O V Encontro da Carreira EBTT e das Carreiras do Ensino Básico das Iees, Imes e Ides iniciou na tarde de sexta-feira (5). Francisco da Fonseca Rodrigues, docente do Colégio Técnico de Campinas da Unicamp, trouxe a perspectiva das múltiplas carreiras docentes existentes na universidade, destacando a necessidade de maior representatividade e atenção para as e os docentes do Magistério Secundário Técnico (MST) e outras carreiras especiais. Ele lamentou que as demais carreiras sejam frequentemente esquecidas em projetos e normas.
Felipe Chadi voltou à mesa da tarde e descreveu a situação precária das professoras e dos professores do Centro Paula Souza, que, além de trabalharem no regime de "horistas, enfrentam a contratação por tempo determinado, prejudicando a estabilidade da carreira docente.

Silvia Gatti, presidenta da Adunicamp SSind. e coordenação do Fórum das Seis, destacou o papel fundamental dos sindicatos na organização da pauta docente em um momento de incerteza sobre as carreiras. Ela reforçou a importância do Fórum das Seis, que reúne as entidades representativas das e dos docentes da USP, Unesp e Unicamp, de servidoras e de servidores técnicos e de estudantes, como espaço de representatividade e de elaboração de propostas.
Ela alertou para recentes movimentações que podem alterar a carreira do Magistério Superior, com riscos de gerar divisões entre as e os docentes das universidades paulistas. Gatti também contou que, na Unicamp, a proposta de reestruturação das carreiras dos colégios técnicos, construída coletivamente em 2023, está parada na Procuradoria Geral da universidade e cobrou mobilização da categoria para destravar o processo reafirmando sua disposição em apoiar as articulações necessárias para que os processos avancem.
Já Annie Hsiou, 3ª vice-presidenta do ANDES-SN e professora da Universidade de São Paulo (USP), ressaltou a diversidade da mesa e contextualizou o histórico de políticas neoliberais em São Paulo, que ela classifica como um "laboratório" de políticas que precarizam a carreira docente, com a intensificação do trabalho e a redução de concursos públicos.
Políticas Afirmativas
A mesa “As Políticas Afirmativas no Projeto de Carreira Única do ANDES-SN” trouxe reflexões sobre diversidade e inclusão no magistério superior.

Ana Luísa Oliveira, docente da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e coordenadora do Observatório de Políticas Afirmativas Raciais (Opará) da universidade, apresentou dados recentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) que mostram a predominância de homens brancos na docência em instituições públicas. Além disso, há um número expressivo de docentes que não se autodeclaram racialmente, cerca de 30 mil, dificultando a compreensão real da composição racial do magistério.
Para ela, a discussão de carreira deve considerar a valorização da diversidade e a efetividade das ações afirmativas. A docente citou sua própria trajetória como a primeira docente negra nomeada por cotas na Univasf, em 2022, mesmo após anos de vigência da lei.
Ana Luísa detalhou como instituições federais e estaduais driblam a Lei de Cotas em Concursos Públicos (Lei 15.142/25) ao substituir ilegalmente o conceito de “cargo efetivo” por especialidade, fragmentar editais e descentralizar processos, reduzindo artificialmente o número de vagas e impedindo a aplicação dos percentuais reservados a pessoas negras, indígenas e quilombolas.
Entre as práticas mais comuns estão a omissão da legislação nos editais, o fracionamento de cargos por especialidade ou por múltiplos editais de uma vaga, o fracionamento por localidade - especialmente em Institutos Federais multicampi -, além da descentralização administrativa, que permite editais isolados sem coordenação. Em alguns casos, chegam até a realizar sorteios de vagas, mecanismo que distorce o espírito da lei e compromete a dupla porta de entrada.
A docente destacou ainda o impacto do racismo institucional nas etapas subjetivas dos concursos. “Candidatos negros têm ótimo desempenho em provas objetivas, mas começam a perder pontos nas etapas subjetivas”, afirmou.
Segundo Ana Luísa, as universidades ainda são espaços hostis para docentes negros. “Eu mesma precisei judicializar para tomar posse. O sindicato foi onde encontrei acolhimento”, lembrou.

Caroline Lima, 1ª vice-presidenta do ANDES-SN, enfatizou a necessidade de um olhar interseccional na luta pela carreira e na defesa do serviço público, reconhecendo que a classe trabalhadora é diversa e sofre opressões variadas, incluindo violência de gênero e racismo.
A diretora apresentou dados do Censo Escolar 2022 que mostram a predominância de mulheres na Educação. Na educação básica, elas representam 79,2% das docentes. No ensino superior, são 58,1% das matrículas e 61% das concluintes, chegando a 72,5% nas licenciaturas e predominando em áreas como Educação (77,9%), Saúde (73,3%) e Ciências sociais e comunicação (72%).
Ainda assim, permanecem sub-representadas nos espaços de decisão e na produção científica, evidenciando a persistência das desigualdades de gênero, mesmo onde são maioria numérica. “Somos maioria nas matrículas, mas minoria nas chefias, nos cargos de gestão, nas bolsas de produtividade. Essa desigualdade não é acidental”, criticou.
Ela também tratou da “economia do cuidado”, que prejudica mulheres, especialmente mães, na produção acadêmica, e criticou práticas como a penalização de pesquisadoras pelo CNPq durante as licenças-maternidade. “O trabalho de cuidado, naturalizado como tarefa das mulheres, pesa diretamente na carreira. Durante a pandemia, muitas de nós trabalhávamos de madrugada para dar conta de tudo”, relembrou a docente.
Caroline Lima destacou ainda o racismo institucional ao citar que menos de 1% das docentes são indígenas, quilombolas ou ribeirinhas. Ela ainda citou a Campanha “Magistério Unido, Piso Garantido”, destacando que não se trata apenas de uma questão salarial, mas de uma carreira única que respeite a diversidade da categoria.
Sobre os casos recentes de violência contra mulheres, a diretora do Sindicato Nacional destacou a resolução aprovada no 43º Congresso do ANDES-SN que determina que o sindicato e suas seções cobrem das administrações o cumprimento da Lei Maria da Penha, garantindo acolhimento imediato, medidas protetivas e, quando necessário, licença-saúde ou remoção para outra instituição de ensino, com deliberação em até 15 dias. E que as vítimas de violência doméstica não sejam penalizadas ou revitimizadas com exigência de documentação ou Processos Administrativos Disciplinares (PAD).
Emanuela Monteiro, 2ª vice-presidenta da Regional Nordeste III e integrante do GTPE, afirmou que é necessário avançar no enfrentamento ao “pacto de branquitude”, que estrutura as instituições de ensino. “As políticas afirmativas se configuram como uma reparação histórica para os segmentos historicamente marginalizados. As condições objetivas de vida, questões de gênero, sexualidade, raça, etnia, deficiência, enquanto internacionalidade das opressões, incidem sobre a carreira docente. A violência patriarcal contra as mulheres adentra o ambiente de trabalho e perpassa as avaliações padronizadas para a progressão na carreira que desconsideram o trabalho doméstico e a tripla jornada feminina que inclui além do trabalho remunerado, o trabalho do cuidado como fator imprescindível para a reprodução social”, disse.
Novo Ensino Médio
A programação de sábado (6) foi dedicada à luta contra o Novo Ensino Médio (NEM), com destaque aos Itinerários Formativos de Aprofundamento (IFA).

Cláudio Mendonça, presidente do ANDES-SN, contextualizou que a reforma do ensino médio no Brasil não é um processo isolado, mas parte de transformações estruturais do capitalismo desde os anos 1970, como a globalização, a neoliberalização da vida social e a reestruturação produtiva, que impactam diretamente o trabalho docente. Segundo ele, essas políticas atravessaram diferentes governos, independentemente de partido, e atendem aos interesses do capital e das grandes corporações.
“Essas grandes mudanças também dizem respeito ao que conhecemos como a implosão do pacto fordista, da midialização do capital através da globalização, da neoliberalização de todas as dimensões da vida social e da construção do ‘neossujeito’, uma nova forma de ser e perceber o mundo. Somam-se a isso as novas formas de organização do trabalho, estruturadas pela chamada ‘santa trindade’ da flexibilização, precarização e intensificação, que atinge o conjunto das professoras e dos professores”, afirmou.
Mendonça destacou que esses processos alcançam toda a categoria e ficam evidentes tanto nas reformas quanto nas portarias governamentais, que vêm instrumentalizando novas formas de organização do trabalho docente nas universidades públicas.
O presidente do Sindicato Nacional também resgatou o papel histórico do ANDES-SN na resistência à Medida Provisória 746/2016 e à Lei 13.415/17, que implementaram a Reforma do Ensino Médio. Ele criticou a manutenção da lógica dessas iniciativas mesmo após a mudança de governo, agora sob a Lei 14.945/24, que estrutura o Novo Ensino Médio, já que a revogação completa não ocorreu. Entre os elementos nocivos preservados, citou a manutenção do notório saber, dos itinerários formativos, da fragmentação curricular e do incentivo a uma formação técnico-profissional voltada ao mercado.
O docente reforçou que o modelo aprofunda desigualdades e prepara mão de obra barata, não sujeitos críticos. Ele também relacionou o avanço dessas políticas ao papel das corporações, das redes sociais e ao crescente processo de desvalorização do trabalho docente.
Ao tratar do sistema educacional dos Estados Unidos, frequentemente apresentado como referência, Mendonça destacou que, apesar da extrema flexibilização, mais de 30% das e dos estudantes do último ano não possuem habilidades básicas de leitura. “É esse o modelo que querem nos vender”, criticou

Clarissa Rodrigues, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), apresentou os impactos diretos do Novo Ensino Médio nas universidades. Segundo ela, professoras e professores têm percebido que estudantes egressos do NEM apresentam carência de conhecimento historicamente acumulado, como em química ou cálculo.
Ela explicou que muitas e muitos pesquisadores classificam o NEM como uma contrarreforma, situando-o em um histórico de mudanças aceleradas e estruturais desde 2013, que incluem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as alterações na formação de docentes e o avanço de projetos educacionais alinhados a interesses privados. Ressaltou ainda que o ensino médio sempre foi a etapa mais precarizada da educação, com distorção idade-série, altas taxas de abandono e falta de professoras e professores com formação adequada.
Clarissa destacou ainda o abismo entre as propagandas oficiais, que vendiam a “liberdade de escolha”, a realidade dos itinerários formativos, frequentemente esvaziados e improvisados por falta de docentes, como “Brigadeiro Caseiro” ou “O que rola por aí”. Para ela, isso evidencia o grau de precarização: “Sem financiamento, qualquer um pode dar aula.”
A docente também alertou ainda para os cortes de recursos e o avanço de empresas privadas na gestão educacional, como a Palantir Technologies, contratada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para gerenciar e analisar bases de dados com soluções de inteligência artificial (IA). A empresa, segundo Rodrigues, é ligada à agência estadunidense CIA e ao genocídio em Gaza. Conforme a ex-diretora do Sindicato Nacional, o Novo Ensino Médio é considerado um fracasso por professoras, professores e estudantes e, por isso, precisa ser revogado.

Amanda Moreira, docente do Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Cap-Uerj) e diretora do ANDES-SN, argumentou que Novo Ensino Médio não é uma reforma isolada, mas parte de um projeto político que aprofunda a superexploração da juventude trabalhadora e adequa a educação ao trabalho precarizado e plataformizado.
Ela destacou que grandes grupos empresariais influenciaram desde a BNCC até a atual revisão, que mantém a mesma lógica. Segundo Amanda, a Lei 14.945/24 usa “eufemismos” para mascarar a continuidade da precarização e do estreitamento curricular.
“Estamos diante de um outro patamar, aquilo que chamamos de ‘reforma da reforma’. Uma mudança que, na aparência, sugere alguma melhoria, mas que, na prática, não aconteceu. Isso nos coloca uma preocupação ainda maior, especialmente para nós que estamos no campo da resistência. Como enfrentar um processo que parece ter avançado, quando, de fato, não avançou?”, questionou.
A docente criticou o avanço acelerado da plataformização, da inteligência artificial e da financeirização dentro das escolas, com a entrada de empresas como iFood, que investem em itinerário formativo de escolas em diversos estados. Também denunciou a forte presença do Instituto Reúna e da Fundação Lemann, que “colaboram” na área da educação, especialmente na implementação da BNCC e, por extensão, dos itinerários formativos do Novo Ensino Médio.
Para a professora da Uerj, isso transforma a educação em mercadoria, fragiliza políticas públicas e afeta diretamente o trabalho docente, impondo polivalência, intensificação e vínculos mais precários. Diante desse cenário, Amanda Moreira reforçou que é preciso seguir mobilizando a categoria e a comunidade escolar.
“Temos muitos desafios para a resistência, tanto no âmbito econômico-corporativo, ao compreender como esses movimentos de plataformização e financiarização moldam as contrarreformas — quanto na continuidade da luta contra a Reforma do Ensino Médio, a BNCC e a Base Nacional de Formação de Professores”, afirmou.

Fernando Cássio, docente da USP, apresentou uma análise detalhada da implementação do NEM nos estados brasileiros, mostrando que a promessa de liberdade de escolha é, na prática, inviável em mais da metade dos municípios, onde existe apenas uma escola de ensino médio. Ele apontou perdas significativas de carga horária na formação geral básica e um aprofundamento das desigualdades entre estados.
A partir da análise de matrizes curriculares de diferentes estados, mostrou que houve perda líquida de horas em disciplinas como Química, Sociologia, Educação Física e Espanhol; e surgiram distorções expressivas entre áreas e entre unidades da federação. Ele ressaltou o caso de São Paulo como um exemplo emblemático de retrocesso, com expansão desproporcional de algumas áreas e redução de outras essenciais.
Cássio também alertou para o enfraquecimento da educação profissional técnica integrada e para a tentativa de substituí-la por cursos profissionalizantes simplificados oferecidos nas escolas regulares, sem infraestrutura adequada. Segundo ele, políticas recentes de financiamento, como o programa “Juntos pela Educação”, agravam esse cenário e podem comprometer o papel estratégico dos Institutos Federais.
O professor destacou que qualquer debate sobre flexibilização curricular precisa considerar que o ensino médio atende 11 milhões de estudantes, dos quais 80% estão na rede pública. Ele defendeu que a luta pela revogação completa da reforma deve continuar.
De acordo com Annie Hsiou, a BNCC Formação e os IFAs são instrumentos diretos do projeto de financeirização da educação, marcada por uma forte plataformização do trabalho docente que impacta diretamente no corpo estudantil. “Mesmo com evidente interesse do capital, o atual governo também incentivou a precarização do ensino-aprendizagem, quando proporcionou computar, no currículo dos estudantes, horas de trabalho. Isso tudo evidencia que o NEM tem o objetivo de segregar ainda mais a classe trabalhadora do acesso à educação pública e de qualidade, na medida em que as grandes corporações educacionais avançam dentro do MEC, influenciando fortemente as dotações orçamentárias para a educação pública”, avaliou.
Encaminhamentos para o 44º Congresso
Na tarde do sábado (6), as e os docentes se reuniram para a etapa final do Encontro, dedicada à discussão dos encaminhamentos para o 44º Congresso do ANDES-SN, que será realizado de 2 a 6 de março de 2026. O objetivo foi consolidar as propostas debatidas nas mesas, para fortalecer os textos de resolução que serão analisados no Congresso para compor o plano de lutas da categoria.

Entre os temas sintetizados nos debates, está a necessidade de que o Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC) seja aplicado também à carreira federal do Magistério Superior (MS), como parte da unificação das carreiras e tendo como horizonte de luta a carreira única para toda a categoria. Também foi apontada a importância da criação de uma Comissão Nacional de Carreira Docente, junto ao MEC, para tratar dos temas específicos tanto do MS quanto do Magistério EBTT. Essa comissão teria como finalidade avaliar processos de reestruturação, propor normativas e implementar ações para as carreiras do Magistério Federal.
Outro ponto encaminhado foi a elaboração de um protocolo para o desenvolvimento na carreira docente, que possa ser defendido nos órgãos deliberativos máximos de cada instituição de ensino. Esse protocolo deve contemplar questões étnico-raciais, de gênero e diversidade sexual, além de garantir direitos de docentes cuidadoras e cuidadores, de famílias atípicas, de docentes com deficiência e de mães e pais de pessoas com deficiência.
Também que se avalie o ingresso de ação judicial coletiva pela implementação dos reflexos financeiros do Piso Salarial Profissional Nacional para docentes que atuam na educação básica nas Iees, Imes e Ides. Além disso, que se fortaleça a campanha “Magistério Unido, Piso Garantido”, pela adoção do PSPN para profissionais do magistério público, como referência do piso gerador da malha salarial de toda a categoria docente da educação pública.
Por fim, foi enfatizada a urgência do fortalecimento da luta pela implementação total do Termo de Acordo de Greve de 2024, especialmente no que diz respeito à dispensa do ponto eletrônico e à mudança da carga horária de ensino para a carreira EBTT.
Para Jacqueline Alves, 1ª vice-presidenta da Regional Leste do ANDES-SN e da coordenação do GT Carreira, os encontros foram de grande importância ao reafirmar a luta classista, ao reconhecer a diversidade, a concretude objetiva e subjetiva e toda a implicação histórica das violências e desigualdades decorrentes do racismo, da misoginia, da LGBTI+fobia e do capacitismo, que é preciso cotidianamente combater.
“Com essas referências, lutamos pela carreira docente unificada, pela relação imprescindível entre a educação básica e o ensino superior, por nossos direitos, por condições de trabalho dignas e para realizarmos, com as e os estudantes e com outras e outros trabalhadores, uma educação inclusiva, laica, de qualidade, pautada nos princípios da formação omnilateral e humana”, concluiu.
*Fotos: Eline Luz / Imprensa ANDES-SN
Confira a cobertura fotográfica: