Dinheiro público fortalece big techs e enfraquece tecnologia e inovação no país

Publicado em 20 de Outubro de 2025 às 12h21. Atualizado em 20 de Outubro de 2025 às 12h23

Mandar uma mensagem no WhatsApp, pedir um carro por aplicativo, salvar fotos na “nuvem”, curtir uma postagem nas redes sociais ou cadastrar seus dados em um hospital público parecem ser ações simples do dia a dia. Mas, por trás desses gestos cotidianos, existe uma engrenagem bilionária que envolve o uso de recursos públicos, o fortalecimento de monopólios globais e a ampliação da dependência do Brasil em relação às gigantes estrangeiras da tecnologia, conhecidas como “big techs” - Apple, Google, Amazon, Microsoft e Meta.

 Foto: Banco de Imagem/Uso não autorizado

A presença dessas empresas nos serviços pagos pelo orçamento público brasileiro tem crescido de forma acelerada e quase imperceptível aos olhos da população brasileira. Com a promessa de modernidade e eficiência, seja em escolas, hospitais ou repartições públicas, a digitalização impõe um modelo que fortalece monopólios privados globais. 

“Atualmente, o modelo hegemônico de desenvolvimento de serviços digitais, ou de bens e produtos tecnológicos digitais, está assentado em poucas empresas que dominam o setor. Trata-se de serviços de gestão de agendas e armazenamento de documentos da Microsoft, como a Microsoft Team; do Google; da Amazon, com hospedagem de grandes bases de dados e capacidade de processamento, entre outros exemplos. Seja por contratação direta desses serviços ou de forma indireta, através de um prestador de serviço que utiliza nessas plataformas o meio de desenvolvimento dos seus próprios serviços e produtos, as grandes empresas drenam recursos públicos para alimentar o seu próprio modelo de negócios”, explicou Alexandre Arns, integrante do coletivo Direito à Comunicação e Democracia (DiraCom).

Tecnologias da Informação e Comunicação Licenças de softwares, sistemas de gestão e serviços de nuvem são ferramentas essenciais para organizar tarefas, usar aplicativos e armazenar arquivos na internet. Tudo isso faz parte do vasto universo das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), cujas contratações por parte do Estado brasileiro estão no centro de um debate complexo.

Um estudo intitulado "Contratos, Códigos e Controle: A Influência das Big Techs no Estado Brasileiro", realizado por pesquisadoras e pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e de Brasília (UnB) e publicado em julho deste ano, revelou o grande volume de recursos que o setor público brasileiro destina a tecnologias estrangeiras.

Entre 2014 e 2025, o gasto total mínimo com licenças de software, serviços em nuvem e soluções similares de grandes corporações internacionais atingiu R$ 23 bilhões. O documento alertou que este valor é apenas a "ponta do iceberg", pois não está ajustado pela inflação e foi obtido a partir do cruzamento limitado de dados públicos. A dimensão desses gastos fica ainda mais evidente ao analisar o período de apenas um ano, entre junho de 2024 e junho de 2025.

Nesse intervalo, as três esferas de governo — federal, estadual e municipal — desembolsaram mais de R$ 10,3 bilhões em materiais e serviços de TIC de empresas estrangeiras. Para contextualizar, esse valor seria suficiente para sustentar integralmente uma universidade do porte da UnB por quatro anos e meio, ou custear bolsas de estudo integrais para 100% de estudantes de pós-graduação do Brasil por um ano, considerando as mestrandas e os mestrandos (250 mil) e as doutorandas e os doutorandos (100 mil) do país.

Grande parte desses contratos, segundo a pesquisa, não foi feita diretamente com as big techs, mas sim por meio de intermediários e revendedores nacionais, o que dificulta o rastreio e a transparência. O estudo destacou que o país gasta continuamente com sistemas e soluções de grandes fornecedores internacionais, perdendo o controle e a autonomia sobre sua própria infraestrutura digital. Essa dependência, conforme o relatório, limita o desenvolvimento de um ecossistema de inovação nacional e mantém o Brasil refém de empresas internacionais, especialmente nas compras públicas de TICs.

Segundo o integrante do DiraCom, o resultado dessa escolha é a destinação de recursos públicos a grandes empresas estrangeiras e a criação de uma dependência tecnológica estrutural. “Essas empresas capturam um recurso financeiro que poderia estar sendo destinado ao fortalecimento de produtos e serviços digitais ao longo de toda a cadeia de desenvolvimento tecnológico digital, desde a transmissão de dados, armazenamento e processamento até a gestão e prestação de serviços em geral”, alertou. Para Arns, a interrupção do uso desses serviços exigiria um processo organizativo de determinados serviços públicos ou da administração pública.

Data Centers
Outra peça indissociável dessa engrenagem são os data centers. Conhecidos como os “cérebros” da internet, os data centers, ou centro de dados, são prédios físicos que abrigam computadores, os quais armazenam e processam os dados das usuárias e dos usuários 24 horas por dia, sete dias por semana. No Brasil, a disputa para atrair esses tipos de empreendimento tem mobilizado cifras bilionárias e gerado um custo fiscal significativo. O governo federal incluiu no Orçamento de 2026, a previsão de renunciar a R$ 5 bilhões em receitas para implementar o regime tributário especial, o ReData.

Outdoor em Caucaia (CE) - Foto: Sara Cafe/Engajamundo

A medida visa desonerar a importação de equipamentos para data centers, com a justificativa de corrigir assimetrias competitivas e atrair mais de R$ 1,5 trilhão em investimentos nos próximos cinco anos, consolidando o Brasil como um centro global de infraestrutura digital, segundo a Associação Brasileira de Data Centers (ABDC).

Essa renúncia inicial representa uma quantia expressiva de recursos públicos e beneficia diretamente o capital privado e estrangeiro, suscitando questionamentos sobre a prioridade de alocação de recursos em um país com tantas demandas sociais. Além do custo fiscal, o impacto ambiental e social dos data centers também é relevante, sobretudo pelo alto consumo de água e energia, especialmente para manter a refrigeração necessária, e pelos efeitos associados à sua operação contínua. Um exemplo é o caso do data center planejado para Caucaia, no estado do Ceará.

O projeto foi apresentado pela Casa dos Ventos, empresa responsável oficialmente pelo empreendimento, ao governo do Ceará para obter a licença prévia, primeira das três etapas do licenciamento ambiental. Segundo informações reveladas pelo The Intercept Brasil, quem vai ocupar o prédio, na prática, é a chinesa ByteDance, dona da rede social TikTok.

A central de dados está projetada para consumir, em um único dia, a mesma quantidade de energia utilizada por 2,2 milhões de brasileiras e brasileiros em suas casas. Anualmente, seu consumo de 1,84 TWh supera o gasto elétrico total de três estados brasileiros (Acre, Amapá e Roraima) juntos. Esse consumo energético é impulsionado por sistemas de resfriamento intensivos e pela demanda de supercomputadores, para processar e treinar modelos de Inteligência Artificial generativa, conhecidos por seu consumo elevado de energia e de carbono. Mesmo com a promessa de energia 100% renovável, proveniente de parques eólicos e solares, esses empreendimentos não estão isentos de impactos.

A chamada "energia limpa" pode resultar no bloqueio de acesso a áreas de comunidades, aterramento de lagoas, ruído sonoro constante - causadores da síndrome da turbina eólica -, desmatamento e violações de direitos humanos. A comunidade indígena Anacé, no Ceará, denuncia que o projeto do TikTok está sendo imposto sem consulta prévia, livre e informada, violando direitos garantidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata especificamente dos direitos dos povos indígenas, e pela Constituição Federal.

“Um data center consome uma quantidade gigantesca de água e energia, o que pode afetar diretamente nossos territórios tradicionais, rios, aquíferos e a biodiversidade. A promessa de ‘energia renovável’ muitas vezes significa instalar novos parques solares e eólicos, que, na prática, também trazem impactos ambientais, sociais e culturais profundos — ocupando terras, degradando áreas de uso tradicional e afetando a vida das comunidades”, criticou o cacique Roberto Anacé.

Anacé também expressou preocupação com grandes empresas que prometem desenvolvimento, mas não garantem direitos, reparações, proteção ambiental e a demarcação integral do nosso território sagrado. “Até agora, não houve diálogo real com o povo Anacé. Nem a empresa, nem o governo estadual ou municipal procuraram a comunidade para debater ou apresentar estudos de impacto. O que vemos é a repetição de uma prática histórica: decidem sobre nosso território sem nos ouvir, tratando nos como se não existíssemos”, disse.

Leia a matéria completa do Informandes aqui

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