*Matéria publicada no InformANDES de outubro
O pacote de propostas legislativas da Reforma Administrativa - PEC 38/2025, PLP e PL - não apenas reformula a gestão federal, mas impõe um conjunto de incentivos e amarras que pressionam governadores e prefeitos a aprofundarem o uso de parcerias público-privadas, de terceirizações e contratações com vínculos precários em diversas áreas do serviço público, incluindo a Educação.
Longe de promover a eficiência prometida, pesquisa da Fiocruz e levantamentos realizados por órgãos de controle, tais medidas apontam para um cenário de aprofundamento da precarização de serviços essenciais prestados à população, fragilização das carreiras e falta de transparência nas relações, o que historicamente favorece a corrupção e o clientelismo.
Um dos mais alarmantes dessa tendência já está nas estatísticas oficiais. O documento apresentado pelo Grupo de Trabalho da Reforma Administrativa reconhece que, entre 2017 e 2023, houve uma queda de 11,8% na quantidade de servidoras e servidores efetivos nos estados, concomitante a um crescimento expressivo de 42,1% nos contratos temporários.

Essa substituição do corpo efetivo por vínculos mais frágeis afeta diretamente a continuidade e a qualidade do serviço, especialmente onde faltam concursos e planejamento de força de trabalho. A Pesquisa de Perfil dos Municípios (MUNIC/IBGE 2023) reforça esse panorama, mostrando a dependência municipal de contratos temporários e terceirizados em setores como saúde, assistência social e serviços urbanos.
Os riscos da terceirização
Avançando sobretudo na saúde e em serviços de apoio, a terceirização e as “parcerias” com Organizações Sociais (OSs) são apontadas como mecanismos centrais para o desmonte do conteúdo social do Estado no setor público.
Estudos demonstram que a expansão das OSs não se traduz em ganhos consistentes de eficiência, como tentam garantir os promotores da Reforma Administrativa. Uma síntese do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz é categórica ao afirmar que as OSs “não são sinônimo de eficiência”; indicadores de acesso e atenção em capitais geridas por OSs não superam as redes diretamente administradas.
Esses modelos de contrato e gestão também trazem sérios riscos de fraude e corrupção. Auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre OSs no Sistema Único de Saúde (SUS), realizadas em 2023, identificaram riscos de fraude e corrupção, bem como fragilidades na contratação e no controle dessas entidades. O TCU determinou correções para aprimorar a governança e a fiscalização, justamente por constatar a fragilidade no controle. Na esfera estadual e municipal, o Ministério Público de Contas de São Paulo (MPC-SP) também apontou a falta de transparência nos custos e a ineficiência nos repasses às OSs.
A expansão desse modelo cria um terreno fértil para o uso político da máquina pública. O volume de contratos temporários e terceirizados, sem a barreira do concurso público, facilita a contratação por indicação, minando a impessoalidade e a moralidade administrativas.

As amarras fiscais impostas pela reforma Administrativa e a obrigatoriedade de revisão de gastos também irão pressionar despesa com pessoal. Nesses casos, a terceirização se torna uma válvula de escape contábil para cumprir os limites fiscais, incentivando prefeitos e governadores a substituírem efetivos por terceirizados.
O pacote institucionaliza a gestão por “resultados” com bônus condicionados à “saúde fiscal” e à revisão de gastos. Esses bônus, facultativos e atrelados ao espaço fiscal, tendem a criar diferenciais salariais sem recompor os pisos e as carreiras, incentivando a substituição por vínculos flexíveis em detrimento dos servidores estáveis. Além disso, esses bônus tendem a ampliar casos de assédio moral no serviço público.
Diego Marques, 2º tesoureiro do ANDES-SN, explica que com o bônus de desempenho, previsto no PLP, os defensores da reforma Administrativa pretendem, sobretudo, criar uma casta gerencial para fazer os acompanhamentos dos acordos de gestão, por exemplo, com as OSs. Na prática, segundo o docente, o projeto de Responsabilidade por Resultados propõe que esse bônus fique concentrado no limite de 5% ou 10% dos cargos considerados, e descritos pela administração pública, como estratégicos. Nesse caso, o servidor poderia acumular bônus que equivalesse até 4 vezes o seu salário.
“Na prática, é o seguinte: o prefeito do interior terceiriza tudo, faz tudo por execução indireta e nomeia um superintendente que vai ganhar quatro vezes o próprio salário em bônus de desempenho para ficar na dependência estrita dessa cadeia patrimonialista em relação a esse prefeito e exercer pressão gerencial e assédio moral sobre qualquer servidor estatutário que ainda reste nesse órgão, além das execuções indiretas. Fundamentalmente, é disso que se trata”, explicita o docente.
O risco para as Iees, Imes e Ides
As terceirizações e contratos precários são exemplos de como o desmonte dos serviços públicos que se pretende com a reforma Administrativa já vem sendo aplicado nos estados, municípios e Distrito Federal. Diversas universidades estaduais sofrem com o alto índice de docentes temporários. Uma delas é a Universidade Estadual da Paraíba, onde a categoria docente se encontra em greve desde 22 de setembro. A UEPB conta atualmente com 790 docentes efetivos e 393 temporários (mais de 30%). 
A expansão de docentes substitutos e com contratos temporários compromete a continuidade didático-pedagógica do tripé ensino-pesquisa-extensão. A reforma administrativa também estimula a terceirização de atividades essenciais de apoio pedagógico, bibliotecas, Tecnologia da Informação (TI) e laboratórios.
Outro sério impacto para os servidores e as servidoras nos estados, municípios e distrito federal será a defasagem e o achatamento salarial, com a perspectiva de carreira e tabela salarial únicas, além de proibir negociação de recomposições ou reajustes retroativos. Na UEPB, por exemplo, as professoras e os professores em greve cobram o pagamento do retroativo das progressões de carreira, além da recomposição de 22,9% de perdas salariais acumuladas nos últimos quatro anos.

O advogado da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN, Adovaldo Medeiros Filho, reforça que a PEC 38/2025 traz uma série de modificações que se relacionam com as competências dos entes federativos do Brasil e estabelece também uma série de propostas que vinculam e amarram a atuação dos estados, municípios e do Distrito Federal a uma suposta regra geral estabelecida pela União.
“Isso é uma violação do pacto federativo, porque isso amarra estados e municípios e o Distrito Federal a uma conformação de regras gerais de remuneração, a uma conformação de uma tabela única, que seria aplicada também aos estados e municípios, obviamente, a partir de sua lógica legislativa. Isso impacta, muito provavelmente, em uma própria conformação de carreira e na discussão específica de cada carreira e de suas peculiaridades”, ressalta Medeiros Filho.
Diego Marques reafirma que é fundamental que todas as categorias de trabalhadoras e trabalhadores dos serviços públicos das três esferas e de todos os entes federativos se unam para barrar essa reforma Administrativa. “Nos estados e municípios, muitas servidoras e muitos servidores já convivem com aspectos dessa reforma, que serão constitucionalizados, caso a PEC 38/2025 seja aprovada. Aspectos esses, como contratações via OSs e Oscips e outros modelos de terceirização e parcerias público-privadas que só servem para destinar recursos públicos para a iniciativa privada e precarizar ainda mais os serviços prestados à população”, reforça.