A professora Luciane Soares da Silva, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), no Rio de Janeiro, denunciou que tem sido alvo de perseguição institucional e política desde julho de 2024. Ela é acusada de afixar cartazes nas dependências da universidade. O caso culminou com a sua suspensão por 30 dias, ao fim de um processo administrativo que, segundo ela, não apresentou provas concretas de qualquer irregularidade.
O episódio teve início no dia 11 de julho de 2024, quando Luciane foi formalmente questionada, por meio da ouvidoria do estado do Rio, sobre o projeto de extensão que coordena, “Web Rádio Maíra”. Na solicitação, foram exigidas informações sobre relatórios de atividades, registros e outros documentos comprobatórios. Em resposta, a professora apresentou a devida prestação de contas sobre as atividades desenvolvidas no âmbito do projeto.
Já no dia 12 de julho de 2024, a docente tomou conhecimento, após a reunião do Conselho Universitário (Consuni), conduzida pela reitora Rosana Rodrigues, da afixação de cartazes nas dependências da reitoria, contendo denúncias de supostos casos de assédio. Na ocasião, a reitora afirmou que as câmeras de segurança teriam registrado imagens que identificariam a autoria da ação.
Rosana Rodrigues propôs, então, a elaboração de uma moção de repúdio, que foi divulgada no dia 18 de julho pela universidade, com a assinatura da própria reitora, do vice-reitor e de membros do Consuni — ainda que nem todas as conselheiras e todos os conselheiros tenham efetivamente subscrito o documento.
Poucos dias depois, em 15 de julho, o Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado do Centro de Ciências do Homem (Lesce/CCH) – do qual a professora Luciane Silva faz parte – publicou uma nota de repúdio sobre a situação. No documento, o grupo se declarava chocado “pelo fato de uma servidora, segundo consta em comunicações informais, ter sido filmada conduzindo o material que foi afixado em paredes da instituição”. Cobrava também pronta resposta das autoridades universitárias superiores.
De acordo com a nota, os cartazes faziam menção a uma suposta denúncia de assédio envolvendo o coordenador do curso de Ciências Sociais, também integrante do Lesce/CCH. Na época, as denúncias contra o coordenador resultaram na criação de um grupo de mobilização contra o assédio dentro da Uenf, formado por servidoras, estudantes e ativistas.
Informações sensíveis de integrantes desse grupo - como telefone, fotos e a vinculação política de cada – foram utilizadas, posteriormente, como material no processo administrativo instaurado contra Luciane. “Apesar de diretamente envolvidas nos episódios que motivaram a criação do grupo, nenhuma dessas estudantes foi formalmente ouvida durante o meu processo”, relatou Luciane Silva, chamando atenção para o risco de exposição e de perseguições futuras às e aos estudantes.
A acusação contra a docente teve rápida repercussão e, no dia 20 de julho, um jornal local publicou matéria sobre o incidente, aprofundando ainda mais a exposição pública da professora.
No dia 24 de julho, foi instaurada a primeira sindicância administrativa para apurar o caso. Menos de uma semana depois, em 30 de julho, um servidor da universidade chegou a solicitar a suspensão cautelar da professora. Entre agosto e outubro de 2024, Luciane prestou depoimentos, enquanto a reitoria continuava tratando a situação publicamente, antes mesmo da conclusão do processo. Ao final dessa primeira sindicância, a comissão responsável reconheceu que não havia provas concretas que a responsabilizassem, apenas o que classificou como “fortes indícios”.
Apesar disso, em 2 de dezembro, um novo parecer recomendou a abertura de uma sindicância punitiva. O segundo processo foi instaurado em 24 de abril de 2025, com os mesmos depoentes e sem a apresentação de novas evidências. Mesmo diante da fragilidade dos elementos reunidos, a sindicância resultou na suspensão da professora por 30 dias, como medida disciplinar.
“A suspensão aplicada ao final da segunda sindicância carece de base concreta e configura instrumento de retaliação, não de responsabilização. Reitero que não houve comprovação de minha participação na afixação dos cartazes. Os procedimentos aos quais fui submetida estão profundamente marcados por irregularidades, violação de garantias e uso indevido de mecanismos institucionais para fins de perseguição”, afirmou a docente.
Defesa
Caroline Lima, encarregada de Assuntos Jurídicos do ANDES-SN e integrante da Comissão Nacional de Enfrentamento à Criminalização e Perseguição Política a Docente, explicou que o processo da professora Luciane chegou à Comissão em 2024 e, desde então, o sindicato tem acompanhado de perto todos os desdobramentos, prestando orientações à professora e identificando diversos problemas no andamento do processo disciplinar. “Não há provas concretas. O processo se baseia em indícios frágeis, com falas acusatórias e ataques direcionados à atuação da professora no laboratório, a partir de uma denúncia que, de fato, não apresenta elementos consistentes”, apontou.
A diretora do Sindicato Nacional destacou ainda que a decisão de punição foi uma surpresa, pois foi tomada com base apenas nesses indícios e após uma nova oitiva marcada por perguntas abusivas e procedimentos administrativos repletos de falhas.
“Para nós, da Comissão, está evidente que se trata de um caso de perseguição política contra a professora Luciane, acompanhado de inúmeras irregularidades processuais”, reforçou. Ela também criticou a exposição pública da docente em veículos de imprensa locais, o que, segundo avalia, teve o claro objetivo de criminalizá-la para além do ambiente universitário.
“Essa decisão representa também um perfil de perseguição política. Vale lembrar que a professora Luciane é ex-presidenta da Associação dos Docentes da Uenf (Aduenf – Seção Sindical do ANDES-SN), o que reforça ainda mais o caráter político dessa punição”, alertou Caroline Lima.
Segundo Rodrigo Torelly, da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN (AJN), o segundo processo de sindicância está marcado por “nulidades que inviabilizaram a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório, para além de demonstrar uma conduta assediadora da Uenf”. Para a AJN, a abertura de uma segunda sindicância desconsiderou o resultado da primeira, que não encontrou provas que responsabilizassem a professora.
Encaminhamentos
Nessa segunda-feira (16), representantes da Comissão Nacional, da Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do Sindicato Nacional, da direção da Aduenf SSind., e o advogado da professora Luciane e a própria docente se reuniram para tratar do resultado da sindicância e definiram encaminhamentos para enfrentar o problema de perseguição e punição da servidora.
Entre as ações deliberadas estão a solicitação de uma reunião com a reitoria para tratar dos equívocos administrativos e cobrar o arquivamento do processo, bem como a suspensão imediata da medida punitiva e, ainda, a elaboração de uma nota de repúdio, que será apresentada para apreciação no 68º Conad. Além disso, ficou definido que será apresentada formalmente à reitoria da Uenf a proposta de Protocolo de Combate aos Assédios e às Diversas Violências, construída pelo ANDES-SN.
A Aduenf SSind. também dará início a uma campanha local em defesa do protocolo e de prevenção às violências institucionais. A proposta é que a reunião com a reitoria, envolvendo representantes do ANDES-SN e da Aduenf SSind., ocorra entre os dias 30 de junho e 2 de julho.
Em maio, o ANDES-SN havia enviado um e-mail solicitando uma reunião com a reitoria da Uenf para tratar da situação. Em resposta, no dia 11 de junho, a gestão afirmou que a penalidade de suspensão aplicada à professora Luciane decorreu de um processo de sindicância fundamentado em parecer jurídico e relatório da Comissão Especial de Sindicância.
Segundo a reitoria, o processo respeitou o contraditório e a ampla defesa, e baseou-se em provas como imagens, documentos e depoimentos, que comprovariam a autoria dos fatos imputados à docente.
Na avaliação de Caroline Lima, o resultado da sindicância não apenas evidencia um processo de perseguição política, como também expõe a falta de capacidade da reitoria em lidar com questões administrativas e enfrentar situações de violência e assédio moral. “Nós, do ANDES-SN, vamos responder à carta enviada pela reitoria, que, inclusive, se colocou à disposição para dialogar conosco. Vamos solicitar uma reunião com a administração central, porque ainda acreditamos que o diálogo e a via administrativa são caminhos possíveis para resolver a situação da professora Luciane, que foi suspensa por 30 dias, sem salário, mesmo sem que o processo tenha apresentado qualquer prova concreta contra ela”, contou.
A diretora do ANDES-SN também destacou que o caso representa um grave ataque à liberdade de cátedra e que, considerando o perfil da professora Luciane – uma mulher negra, periférica e docente de uma universidade pública do Rio de Janeiro –, o resultado da sindicância pode ser compreendido como um possível caso de racismo institucional. A dirigente reforçou que o ANDES-SN continuará insistindo na via administrativa, cobrando o arquivamento definitivo do processo e a imediata restituição do salário suspenso da professora.
Perseguição política
A ocorrência na Uenf amplia o debate sobre as perseguições políticas dentro das universidades e o uso de medidas administrativas, por parte de reitorias, para lidar com conflitos internos. Diversas ocorrências têm chegado à Comissão Nacional, responsável por acompanhar e denunciar os casos de perseguições, investigações, judicializações e criminalizações de caráter político.
Situações semelhantes ocorreram na Universidade do Distrito Federal (UnDF), na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na Universidade Estadual de Roraima (Uerr) e na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com o caso emblemático da professora Jacyara Paiva.
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*Foto: Silvana Rust/Prefeitura de Campos dos Goytacazes