As condições de acesso e de trabalho das mulheres na gestão da educação pública federal foram discutidas em uma audiência pública, realizada na tarde de terça-feira (5), na Comissão de Administração e Serviço Público (Casp) da Câmara dos Deputados. O debate, proposto pela deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP), contou com a participação de Caroline Lima e de Letícia Nascimento, 1ª e 2ª vice-presidentas da entidade, respectivamente, além de representantes da Fasubra e do Sinasefe.
Caroline Lima, que também é da Comissão Nacional de Enfrentamento à Criminalização e Perseguição Política a Docentes do ANDES-SN, iniciou sua fala destacando o crescente número de professoras que têm sido alvo de perseguições institucionais, ameaças de exoneração e, em alguns casos, efetivamente exoneradas por motivos relacionados à sua identidade ou atuação política.
A 1ª vice-presidenta do Sindicato Nacional apresentou dados do Censo da Educação Superior e do IBGE para evidenciar desigualdades de gênero no acesso e permanência das mulheres na educação. Ela destacou que 58,1% do público da educação superior é composto por mulheres e as áreas de atuação das mulheres estão concentradas em educação, saúde e bem-estar, ciências sociais, comunicação e informação. “A gente internaliza que nós precisamos cuidar do outro de tal forma que isso acaba influenciando na hora que a gente vai escolher uma profissão”, avaliou.
Na pós-graduação, Caroline ressaltou que, embora as mulheres também sejam maioria nesse nível de formação e recebam a maior parte das bolsas, elas enfrentam barreiras discriminatórias. Segundo a docente, não são raros os casos em que candidatas são questionadas, em bancas de seleção, sobre a intenção de ter filhos, sendo a gravidez considerada um entrave para a continuidade dos estudos.
Ao tratar das condições de trabalho, afirmou que as mulheres representam 47,2% do corpo docente da educação superior. Criticou também o caráter binário do Censo, que desconsidera dados sobre pessoas LGBTI+ e sobre pessoas com deficiência.
Ao tratar da avaliação de produtividade, denunciou: “Pareceristas da CNPq e da Capes, que com certeza eram homens, disseram que nossa licença-maternidade nos desqualificava para ser bolsa produtividade [...] nos desqualificava para produzir ciência”. Para ela, essa visão reforça a ideia de que “quando a gente decide ser mãe, tem que sair do espaço público”.
A diretora do Sindicato Nacional classificou o mundo do trabalho nas instituições federais como violento. Mencionou casos de professores exonerados após denúncias de assédio e tentativa de estupro, ressaltando que esses desligamentos só ocorreram devido à pressão e a luta política. Criticou ainda a invisibilidade das professoras indígenas e com deficiência nos censos e nas políticas públicas e afirmou que o perfil da categoria docente parte de uma lógica binária, ignorando sexualidade e a diversidade.
“Nós, do ANDES-SN, estamos fazendo campanhas, cartilhas e, mais recente, criamos um protocolo para entregar às universidades. A ideia é dizer: ‘Se vocês alegam não saber como enfrentar o assédio, aqui está uma proposta concreta’”, contou.
Letícia Nascimento, 2ª vice-presidenta, destacou os desafios estruturais enfrentados pelas mulheres – especialmente negras, indígenas, trans, com deficiência e mães –, para acessar, permanecer e progredir no serviço público, além de ocupar cargos de gestão nas instituições federais. “É urgente debater a presença de mulheres na gestão. Porque somente com a ocupação qualificada e comprometida desses espaços, por mulheres, especialmente negras, indígenas, trans e com deficiência, é que poderemos transformar as estruturas que nos excluem”, afirmou.
A diretora do Sindicato Nacional lembrou que, historicamente, o ato de educar foi associado ao cuidado, este naturalizado como parte de uma suposta essência feminina. “Não existe essência feminina. Não nascemos mulheres, nos tornamos. Ser mulher não é um destino dado pelo corpo, pela genitália ou pela biologia”, acrescentou.
Letícia Nascimento ressaltou a urgência de ampliar a participação feminina nos espaços de decisão como forma de romper com as estruturas excludentes. Ela apontou que poucas mulheres, na educação superior, ocupam cargos de chefia, avançam na carreira ou são reconhecidas academicamente. A desigualdade racial acentua ainda mais essa exclusão: menos de 3% das professoras permanentes nas universidades são mulheres negras.
Ela também alertou para os altos índices de assédio enfrentados por servidoras públicas. Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de 2023, mais de 36% relataram ter passado por situações do tipo. “O combate ao assédio deve ser prioridade nas gestões de ensino. Isso passa pela criação e implementação efetiva de protocolos de enfrentamento ao assédio, com escuta qualificada, responsabilização de agressores e garantia de proteção da vítima. Também defendemos o direito das mulheres assediadas de serem removidas para outro local de trabalho, sem prejuízo profissional, quando isso for parte de sua segurança e dignidade”, afirmou.
A importância de políticas de ações afirmativas específicas, não apenas para negras, indígenas, quilombolas e com deficiência, mas também para a população trans, foi defendida por Letícia. Ela criticou ainda o uso de sorteios como critério para preenchimento de vagas destinadas às cotas, prática denunciada pelo ANDES-SN.
De acordo com a docente, mais de 20 universidades públicas em todo o país já adotam cotas específicas para pessoas trans e lamentou a decisão judicial que impediu a Universidade Federal do Rio Grande (Furg) de manter um edital específico voltado a esse público. Para ela, o ato representa um grave ataque à autonomia universitária.
Ao finalizar sua fala, a diretora do Sindicato Nacional compartilhou um relato pessoal sobre sua entrada na universidade pública no Piauí, onde iniciou sua trajetória acadêmica, passou pelo processo de transição de gênero e construiu sua carreira no serviço público. “O coração batia forte, metade medo, metade coragem e um tanto de sonhos. [...] Hoje, no serviço público, eu tenho um nome, uma carreira, eu sou respeitada e referenciada pelo meu trabalho. Foi dentro da universidade que eu transicionei e vi a minha universidade mudar comigo. Porque a nossa presença transforma os espaços”, concluiu, ressaltando a urgência em garantir mais espaços de poder para travestis, para mulheres negras, quilombolas, indígenas e pessoas com deficiência.