A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, nessa quinta-feira (11), o ex-presidente Jair Bolsonaro por participação em uma tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes, impondo pena de 27 anos e 3 meses de prisão em regime inicial fechado. Esta é a primeira vez que um ex-presidente eleito foi colocado no banco dos réus por crimes contra o Estado Democrático de Direito estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Atualmente, ele cumpre prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, e está inelegível.
Bolsonaro e sete aliados foram considerados integrantes do “núcleo crucial” da trama e também foram condenados por crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Entre as penas definidas estão: Walter Braga Netto (26 anos), Anderson Torres (24 anos), Almir Garnier (24 anos), Augusto Heleno (21 anos), Paulo Sérgio Nogueira (19 anos) e Alexandre Ramagem (16 anos, 1 mês e 15 dias). Mauro Cid, que firmou acordo de colaboração premiada, teve pena fixada em dois anos, em regime aberto.
Além das penas de prisão, a maioria dos réus recebeu multas. Todos foram condenados a pagar, juntos, uma indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos, que será revertido por danos à sociedade pelo ataque às instituições democráticas. Também foi determinada a perda do mandato do deputado Alexandre Ramagem e a inelegibilidade de todos os condenados por oito anos após o cumprimento das penas. O STF também decidiu que o Superior Tribunal Militar (STM) será oficiado para analisar a Declaração de Indignidade para o Oficialato de Bolsonaro, Augusto Heleno, Paulo Sérgio e Almir Garnier, o que pode resultar na perda de posto e patente militar.
As defesas dos acusados negaram a autoria dos delitos e alegaram questões processuais, como cerceamento de defesa. No entanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR), que apresentou a denúncia, reiterou que os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 foram o ponto culminante de um processo golpista coordenado durante anos, que começou em meados de 2021 com ataques deliberados às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral no país.
Defesas e votos
A condenação de Bolsonaro se formou por maioria na Primeira Turma, com voto contrário apenas do ministro Luiz Fux, que defendeu a remessa do caso à primeira instância.
O relator Alexandre de Moraes ressaltou que a PGR apresentou provas suficientes de autoria e materialidade, e enquadrou o ex-presidente por organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio público.
O ministro Flávio Dino destacou que os atos denunciados não foram meros preparativos, mas parte da execução da tentativa de golpe, com início material dos crimes. Ressaltou ainda a presença de violência e grave ameaça, citando a invasão da Praça dos Três Poderes, rompimento de barreiras policiais, acampamentos em quartéis, bloqueios de rodovias e ataques a órgãos públicos.
Cristiano Zanin rejeitou todas as preliminares das defesas e reafirmou a competência do STF, enquanto Cármen Lúcia apontou que o plano criminoso buscava minar a alternância de poder com apoio de uma “milícia digital”. A ministra também enfatizou que o 8 de janeiro não foi um "evento banal", mas o resultado de um "terreno social e político para semear o grão maligno da antidemocracia" cultivado desde 2021.
O relator Alexandre de Moraes defendeu que as penas devem desestimular futuras tentativas de ruptura institucional e reforçar a proteção da soberania do voto e da democracia.
8 de janeiro
A denúncia da PGR descreve o episódio de 8 de janeiro de 2023 como o ponto culminante de um processo golpista. Naquela data, manifestantes de extrema direita invadiram e depredaram os prédios das sedes dos Três Poderes em Brasília (DF), contra o resultado das eleições de 2022, que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva como presidente. O presidente decretou intervenção federal na segurança do Distrito Federal, e cerca de 1,5 mil bolsonaristas foram detidos na época.
A ação foi considerada um grave ataque simbólico às instituições democráticas. O ANDES-SN repudiou veementemente aqueles atos desde o início, qualificando-os como um atentado à democracia e que contou com a conivência das Forças Armadas, da Polícia Federal e da Polícia Militar do Distrito Federal.
Pandemia
Paralelamente às acusações pelo golpe, o governo de Jair Bolsonaro também foi alvo de investigações sobre a gestão da pandemia da covid-19. Entre março de 2020 e dezembro de 2022, o Brasil registrou 693.853 mortes pelo vírus, segundo o Ministério da Saúde. Nesse período, movimentos sociais, populares, estudantis e sindicais — entre eles o ANDES-SN — denunciaram a política negacionista do governo e o responsabilizaram pelas milhares de vidas ceifadas.
Dezenas de petições criminais foram apresentadas por parlamentares, partidos e entidades, pedindo a investigação e punição de crimes contra a saúde pública, incluindo a suposta disseminação intencional da doença por autoridades federais. A pressão resultou na criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid, em 2021, no Senado, que apurou erros e irregularidades do governo federal e de empresas durante a crise sanitária.
Após meses de apuração e ampla repercussão nacional, o relatório final recomendou o indiciamento de mais de 60 pessoas físicas e jurídicas, entre elas o então presidente Bolsonaro e ministros de Estado. O documento foi encaminhado à PGR, onde ainda aguarda desdobramentos.
Ameaças à soberania
O ANDES-SN denunciou as tentativas de pressão externa sobre o processo político e econômico brasileiro, como as sobretaxas impostas pelo governo dos Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump. As ameaças de impor barreiras comerciais, depois concretizadas sobre exportações brasileiras, somadas à retórica agressiva de possíveis ataques ao país, foram interpretadas como tentativas explícitas de intimidar o Judiciário e intervir na soberania brasileira. A estratégia, contudo, provocou forte reação política e ampliou o debate sobre soberania e independência entre os Poderes, especialmente diante do processo judicial contra Jair Bolsonaro pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Leia mais aqui.
Avaliação
De acordo com Cláudio Mendonça, presidente do ANDES-SN, o julgamento e a condenação são considerados um marco importante na luta contra a impunidade para aqueles que atentam contra o Estado Democrático de Direito e buscam uma ruptura institucional.
“A condenação de Bolsonaro representa uma importante vitória para quem enfrentou, nas ruas e nas redes, o governo genocida. O ANDES-SN, que desde o primeiro momento se posicionou contra aquele governo, construindo lutas como o Tsunami da Educação diante da política de desmonte de nossas instituições, se alegra com tal decisão. Cabe lembrar que a política negacionista e antivacina daquele governo de extrema direita foi responsável direta pela morte de milhares de pessoas”, afirmou.
O presidente do Sindicato Nacional relembrou a consigna “Derrotar Bolsonaro nas ruas e nas urnas”, como parte da luta contra o movimento neofascista brasileiro. “A tentativa de golpe de 8 de janeiro demonstrou, de forma inequívoca, que o bolsonarismo não pode ser minimizado. Por tudo isso, a condenação de Jair Bolsonaro é parte da grande luta para derrotar as forças neofascistas, que vêem as universidades, os institutos e os cefets como inimigos a serem eliminados”, concluiu.
Com informações do STF