A Câmara dos Deputados aprovou, na noite da última quarta-feira (17), o regime de urgência para a tramitação do Projeto de Lei (PL) 2162/23, que propõe anistia às e aos golpistas envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. A aprovação ocorreu por 311 votos a favor, 163 contra e 7 abstenções. Ainda não há data definida para a votação do mérito do projeto.
Com a aprovação da urgência, o PL poderá ser votado diretamente no Plenário, sem passar pelas comissões temáticas. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) como relator do projeto. Segundo Motta, o objetivo é construir um texto que "encontre o apoio da maioria ampla da Casa".
Segundo Fernanda Maria Vieira, secretária-geral e encarregada de Assuntos Jurídicos do ANDES-SN, a aprovação de um regime de urgência para este caso é de "enorme gravidade" e denunciou a tática utilizada pela bancada conservadora. "Se valem de um PL 2162 de 2023, e que não será o texto ao final discutido, pois utilizaram-se desse PL apenas para aprovar o rito de urgência", afirmou.
A diretora do Sindicato Nacional criticou a prática da Casa Legislativa de limitar o debate público. "Ao estabelecer a urgência retira-se o tempo de maturação de uma norma, retira-se a participação ampla da sociedade, dos movimentos sociais e populares, que acabam sendo profundamente impactados por essas regras impostas sem o amplo debate democrático", disse.
Fernanda Maria Vieira apontou a ilegitimidade do procedimento, destacando que o projeto não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no Regimento Interno para requerer urgência, especialmente no que diz respeito à "defesa da sociedade democrática". De acordo com Fernanda, a medida "expressa uma cultura autoritária e golpista do nosso parlamento" e funciona como "autorização para grupos sem qualquer disposição à democracia, continuarem agindo na tentativa de golpe". “Até quando uma democracia pode resistir a tantas ações golpistas e antidemocráticas?”, questionou a docente.
Medida busca enfraquecer o STF e beneficiar Bolsonaro
Críticas e críticos da proposta apontam que o objetivo é enfraquecer a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. "Inegavelmente, o atual congresso, de uma grande bancada conservadora, marcada por um perfil do agro e da bancada da bala, acredita que poderá anistiar Bolsonaro. O Legislativo pode muito, mas os congressistas precisam compreender que não podem tudo e que o limite das suas ações é a própria democracia e a Constituição", disse a diretora do ANDES-SN.
Ela fundamentou seu posicionamento no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, que define como "crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático". Portanto, segundo Fernanda, tais crimes não podem ser beneficiados por anistia e/ou indulto, entendimento já consolidado pelo STF.
Pacificação
Motta defendeu a urgência sob a alegação de que "o Brasil precisa de pacificação", argumento contestado pela professora. “O presidente Hugo Motta demonstra sua fraqueza e o descompromisso com a democracia. Seu discurso na aprovação da urgência para o PL da anistia foi vergonhoso. Não há visões distintas. Foi golpe!", ressaltou.
Para a diretora do Sindicato Nacional, a verdadeira pacificação não virá da anistia, mas sim de barrar os “apologistas” do ódio. Ela acrescentou que um antigo ditado iorubá diz: “Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje", lembrando que o presente é marcado por permanências do passado autoritário. "Precisamos de posturas incisivas na proteção da democracia, precisamos ir para as ruas e afirmar que não aceitaremos a anistia aos golpistas e a chamada 'PEC da bandidagem'", concluiu.
Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados